Jorge Bodanzky

Quando o extinto DocBlog publicou a primeira série dos Faróis, Jorge Bodanzky não encontrou tempo para atender ao pedido de participação. No entanto, o seu clássico Iracema – uma Transa Amazônica, co-direção de Orlando Senna, foi o terceiro filme mais citado por seus colegas documentaristas, só perdendo para Cabra Marcado para Morrer e o vertoviano O Homem com a Câmera. Filme seminal no cinema brasileiro moderno, Iracema também sintetizava o universo do cinema de Bodanzky: a Amazônia, o filme-viagem, a discussão da realidade brasileira e a interação entre fato e ficção.

Bodanzky formou-se entre as trincheiras de resistência à ditadura militar, a frequência a cinematecas e o Novo Cinema Alemão, onde estudou com Alexander Kluge. De volta ao Brasil, fez a câmera de vários filmes do Cinema Marginal e viajou pelo mundo fotografando docs da TV alemã. Com Iracema, Gitirana (outra co-direção de Orlando Senna) e Jari, frequentou o circuito alternativo dos anos 1970 e forneceu subsídios para as lutas em defesa da Amazônia. Os Mucker (1979), filme sobre a Canudos do Sul brasileiro, fez avançar ainda mais sua busca de uma síntese entre documento e representação. O Terceiro Milênio (1982), por sua vez, foi o primeiro grande filme sobre uma campanha eleitoral feito no Brasil – no caso, do folclórico político ambientalista Evandro Carreira na região do Rio Solimões.

Cada filme de Bodanzky é uma viagem, como se pode ver em sua biografia escrita com Carlos Alberto Mattos para a Coleção Aplauso (O Homem com a Câmera, 2006). Viagens que também o levam a mídias pouco navegadas. Ele foi o primeiro cineasta brasileiro a “dirigir” CD-ROMs na década de 1990. Sua escala seguinte foi na internet através do Projeto Navegar Amazônia. Hoje, se não o encontrarmos em sua casa em São Paulo, ele certamente estará singrando rios amazônicos a bordo de um barco equipado com câmeras, ilha de edição e computadores plugados na grande rede. O Navegar promove oficinas de audiovisual para as populações ribeirinhas, tratando de conectá-las com o mundo e divulgar o que elas pensam da vida e da cultura da floresta. Todo esse material deságua no site da TV Navegar.

No Meio do Rio, entre as Árvores e Pandemonium, seus dois últimos trabalhos, dão mostras de fidelidade aos temas da sustentabilidade e da cultura compartilhada, seja na Amazônia ou numa apocalíptica São Paulo.

A seguir, os comentários do realizador a respeito dos seus filmes-faróis:

“Ainda muito jovem, assistia às projeções da Sociedade Amigos da Cinemateca, no antigo Museu de Arte Moderna, na Rua 7 de Abril, em São Paulo. Os filmes eram sempre apresentados pelo Paulo Emilio Salles Gomes ou pelo Jean-Claude Bernardet em verdadeiras aulas de cinema. Nesse contexto, vi dois filmes cujas imagens não me saem da cabeça, apesar de só tê-los visto uma vez. São eles:

Pather Panchali (1955), filme de estreia do indiano Satyajit Ray, verdadeira obra-prima, conhecido no Brasil como A Canção da Estrada.

Aruanda (1960), de Linduarte Noronha. A força e a simplicidade das imagens desses dois filmes me deram a sensação de que aquilo também eu poderia fazer, se me dedicasse ao cinema.

Hiroshima, Mon Amour (1959), de Alain Resnais, que foi também o filme que o Paulo Emílio exibiu durante um semestre inteiro, no Curso de Apreciação Cinematográfica que ministrou na UNB em 1964 e que me fez aprender a ver cinema.

O Bandido Giuliano (1962), de Francesco Rosi, que me abriu os olhos para a fotografia.

Fata Morgana (1971), de Werner Herzog, que, de certa forma, me preparou para o projeto do Iracema.

Os filmes de Jean Rouch e John Cassavetes, pelo tratamento realista e pela forma de contar a história.

A Árvore dos Tamancos (1978), de Ermanno Olmi. O visual realista numa história completamente fantasiosa me fascinou. É o tipo do filme cujas imagens reaparecem, num processo inconsciente, sempre que estou pensando um roteiro, desenvolvendo um projeto.

E, mais recentemente, Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo (2009), de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz. À primeira vista me pareceu escandalosamente simples. Mais tarde, com o filme trabalhando na minha cabeça, me dei conta de como é profundo e completo. Foi uma chacoalhada na minha alma. Deu vontade de filmar o quanto antes”.