Se o cinema brasileiro de ficção contemporâneo tem duas correntes dominantes – a procura do blockbuster e o experimentalismo blasé –, não contem com José Eduardo Belmonte em nenhuma das duas. Esse paulista com muita vivência em Brasília, onde fez seus primeiros curtas, muitos videoclipes célebres e o primeiro longa, Subterrâneos, opta por um caminho próprio, singular. Seus filmes são viscerais, surpreendentes e lidam com a matéria bruta do cinema: rupturas amorosas, violência do cotidiano, corpos jovens que se agitam numa teia de palavras e músicas, citações cinematográficas.
Goste-se ou não dos seus filmes (eu, por exemplo, não apreciei o radicalíssimo A Concepção), é inegável que circula vida nas veias deles. Depois de ganhar diversos prêmios com Se Nada Mais Der Certo e enfim lançar o eletrizante Meu Mundo em Perigo, Belmonte deu um depoimento para a revista Filme Cultura 50, no ano passado, em que falou de seus próximos projetos:
“Tenho na mão alguns projetos prontos. Uma volta ao estilo das comédias anárquicas dos curtas, que se chama The Billi Pig, onde um curandeiro de bairro e um casal de fracassados se juntam para realizar um milagre. Seria também minha homenagem à chanchada. O filme que mais acalento fazer trata de um diário do Oswald de Andrade anterior à Semana de 22. E também pretendo passar pela experiência de diretor contratado, embora considere o projeto como se fosse meu. Chama-se O Gorila, adaptação de uma novela do Sérgio Sant`ana com Otávio Muller e produção do Rodrigo Teixeira.
Tenho outros roteiros, algumas ideias de guerrilha cinematográfica para me manter na ativa experimentando, me jogando em abismos e voltando. Outros são projetos com ambições de diálogo com o grande público. Seja como for, pretendo continuar contando histórias de pessoas tentando se encontrar no seu tempo, se conectar à sua realidade, sem dogmatismos, certezas ou fatalismos, e com isso também me divertir. Como diria Drummond: O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.”
Belmonte também tem sido citado como corroteirista do projeto Janis Joplin: Get it While You Can, caso este venha mesmo a ser dirigido por Fernando Meirelles.
Ainda para a Filme Cultura, ele listou e comentou os 10 filmes que mais influenciaram sua concepção de cinema:
1. Prénom Carmen, de Jean-Luc Godard
O filme todo é arrebatador. Soberbo uso do som com a imagem que seguem caminhos divergentes e se somam. Conceitual, poético. Talvez o filme que mais me impressionou junto com…
2. Touro Indomável, de Martin Scorsese
Personagens brigando contra sua própria natureza. O olhar para miudezas que revela o todo, a montagem que acelera e retarda desconstruindo o tempo e revelando os personagens. Preparação, tensão, resolução.
3. Meu Tio da América, de Alain Resnais
Uma vez dentro do cinema, tudo é possível. Assumir na arte e na vida toda a contradição de ser humano.
4. Asas do Desejo, de Wim Wenders
O olhar reflexivo, humanista e afetuoso sobre o outro. Desapego. O cinema mais próximo da poesia que da prosa.
5. Terra em Transe, de Glauber Rocha
Dentro do cinema tinha a sensação de quem tem um êxtase religioso, tal a excelência da câmera, da montagem, do texto, da atuação, do que era dito… Experiência igual tive com…
6. A Estrada Perdida, de David Lynch
Senti que fui a outro mundo e voltei. A imagem e o som entrando por todos os poros. Mexendo em todos os sentidos.
7. Confiança, de Hal Hartley
Digam o que quiserem: que está datado, que Hal Hartley era um blefe. Esse é o filme da minha geração, junto com…
8. Amores Expressos, de Wong Kar Wai
Filmes e sentimentos baratos com paixão, honestidade, sem empáfia e com atenção ao agora.
9. O Homem com a Câmera, de Dziga Vertov
Antes das coisas serem inventadas, já estava tudo lá.
10. Cantando na Chuva, de Stanley Donen
Cinema também tem que fazer você gozar da cintura pra baixo.
Menções Honrosas para Gaviões e Passarinhos, de Pier Paolo Pasolini, e Solaris, de Andrei Tarkovski. Ao ver esses dois filmes, aos 15 anos numa mostra de cinema fantástico, vi que o cinema podia ser algo muito além de Marcelino pão e vinho ou Se meu fusca falasse. E também para O Incrível Homem que Encolheu, de Jack Arnold, um dos melhores contrabandos da história do cinema. Filosofia disfarçada em filme B de ficção cientifica.