José Joffily

A marca desse paraibano criado no Rio está em parte importante do cinema brasileiro das últimas três décadas, seja como roteirista, diretor, produtor, professor de cinema ou ocasionalmente ator. Seus curtas de fins dos anos 1970 (Copa Mixta, Curta-sequência: Galeria Alaska, Alô Teteia, Praça Tiradentes 77) lançaram um realizador com pinta de marginal, mas logo substituída pela busca persistente de um cinema popular de porte médio, que alia traços do filme de gênero a uma vontade autoral.

José Joffily já se exercitou na comédia social (Urubus e Papagaios), no policial (A Maldição de Sampaku, Achados e Perdidos), no drama metacinematográfico (Quem Matou Pixote?) e na tematização de um Brasil imigrante (Dois Perdidos numa Noite Suja, Olhos Azuis). O documentário já contou com sua visita em dois longas, O Chamado de Deus e Vocação do Poder (este codirigido por Eduardo Escorel).

É um cinema que se sofistica gradativamente no que diz respeito às estruturas narrativas, ao trabalho com o elenco e às relações entre filme e realidade. No momento, Joffily está envolvido com dois novos docs. Na mesa de edição, procura a forma final de Vida de Artista, em que acompanhou os ritos de passagem profissionais de jovens músicos de três orquestras brasileiras, em mais uma tentativa de entender o fenômeno da vocação. Está ainda coproduzindo um filme da filha, Isabel Joffily. Bela Casa Cinza inspira-se no clássico Grey Gardens, dos irmãos Albert e David Maysles, para enfocar duas personagens cariocas fora do comum.

Seus faróis, comentados de maneira bastante pessoal, foram enviados com a seguinte nota introdutória:

“Depois da lista entregue, tentarei não ficar mudando. Afinal, poderiam ser cem, duzentos filmes. A preferência pode favorecer uns títulos hoje e outros amanhã. Assim, considerei ser melhor atender logo ao convite e acabar com isso. Segue a lista do dia 11 de fevereiro de 2011. Se fosse redigida no dia 10 poderia ser outra, mas hoje é dia onze, e se eu remexesse amanhã, farei umas mudanças.  

Os Desajustados (The Misfits), de John Huston
Pela mais breve, poética e eficaz apresentação de personagem na história do cinema. Convidado para participar de um rodeio, o peão, interpretado por Montgomery Clift, antes de responder pede um tempo para falar com a mãe. Cata moedas no bolso, liga de um orelhão enquanto os amigos aguardam no carro. Naqueles dois minutos de diálogos e de silêncios sabemos tudo que é possível ou preciso saber do personagem. É evidente também que a Marilyn Monroe não era só uma louraça, mas uma das melhores atrizes da sua geração. 

Morangos Silvestres, de Ingmar Bergman
Porque sempre me espantou alguém saber tanto da velhice tendo apenas 42 anos (acho que Bergman tinha essa idade quando filmou a história). Vi e revi o filme através dos anos e ele só fez melhorar. Certamente também porque eu estou entendendo ainda melhor do que se trata ficar velho. Gosto cada vez mais da viagem do velho com sua nora e com os jovens caronas. Uma viagem pontuada por recordações, simpatias e repulsas.

Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha
Pelo susto que tive quando vi pela primeira vez. Como muitos, saí atordoado com tanta ópera, tanto barroco, beleza e revelação. Saí do Bruni Copacabana ainda dia claro e quente. Ali, na Barata Ribeiro, cheio de fumaça de ônibus, barulhos de buzina, no meio do caos, caminhava tentando entender o que tinha visto. Sair das salas de cinema, depois de ver bons filmes, nunca é tarefa fácil. É sempre um choque. E acho que essa foi a saída de cinema mais esquisita que vem à memória: sair do Corisco de Othon Bastos para a trivialidade ali da Barata Ribeiro.

Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos
Porque através dos anos revi o filme, alternando revisitas com releituras do livro do Graciliano Ramos. Primeiro foi o filme, li o livro depois. No início considerei que o livro era bem melhor, superior. Depois vi o filme mais uma vez e mudei de opinião. E li o livro de novo, pulando os capítulos, começando por Baleia, que teria sido o primeiro capítulo, achei o inverso mais uma vez. E assim essa alternância se repetindo. Até que entendi que os dois eram mesmo muito bons e definitivos, cada um no seu suporte. Os cineastas que pertenciam ao que seria o Cinema Novo tiveram essa sabedoria, escolheram bons livros, soberbos. A literatura sempre esteve na frente dos filmes e pode ser sempre uma boa alternativa para os filmes.

Memórias do Subdesenvolvimento, de Tomás Gutiérrez Alea
O filme do Gutiérrez Alea foi o primeiro a me fazer entender perfeitamente o que foi a Revolução Cubana. Através das ironias e vacilações do Sergio, na posição de um cara de classe média, pude me colocar na pele de um cubano diante da Revolução. Tratar do papel de um intelectual burguês dentro da revolução é uma premissa boa para quem tem a mesma origem do protagonista.

Copacabana me Engana, de Antonio Carlos Fontoura
Me vi muito no filme, nos dois irmãos, naquela turma desnorteada. E nada melhor que as cenas do Paulo Gracindo determinado a humilhar o personagem do Carlo Mossy. Com essa intenção, o filme narra o passeio no carrão conversível, o porre e a volta para a maravilhosa Odete Lara, quando Gracindo devolve o jovem e derrotado concorrente. E de quebra, o filme ainda tem o Armando Costa como corroteirista e ator, fazendo uma memorável ponta de arruaceiro disposto a avacalhar com uma reunião de sindicato (pelo que me lembro de pelegos). Assim é na minha memória.

Até a Última Gota, de Sérgio Rezende
Filme feito em grupo, do qual fazíamos parte eu, Sergio Rezende, Jorge Abranches, Mariza Leão e Zé Dummont. Naquele final dos anos setenta achávamos que o filme ia conquistar o Brasil, arrebatar corações e sensibilizar e indignar espectadores/cidadãos. Em seguida, considerávamos que o mundo também se renderia às denúncias do filme. Sergio, Mariza e eu morávamos na mesma rua e ao longo de 1978 ficávamos tempo integral à disposição do filme, prontos a filmar o que surgisse de novidade para revelar o que era a exploração do sangue brasileiro como matéria-prima para a confecção de remédios do primeiro mundo. A Vera Freire montou esse primeiro longa-metragem de todos nós e em seguida o saudoso Paul de Castro compôs uma pungente música. Pronta a primeira cópia foi uma experiência inesquecível distribuir filipetas e pregar cartazes nos postes anunciando as pouquíssimas sessões do filme. Achávamos que as multidões iam se interessar por aquele filme. Ficou na lembrança. 

Os Sete Samurais, de Akira Kurosawa
Um mundo de injustiças que era corrigido por sete caras não podia ficar fora da lista. Os camponeses, mesmo que japoneses, se unindo para derrotar um claro inimigo comum. Pouco a pouco, do lado do bem, se alistavam uns caras que se propunham por muito pouco a corrigir as injustiças. Era a verdadeira jornada dos heróis. E tudo feito com o talento de Kurosawa. Não podia sair melhor. E ainda tinha Mifune, encantadoramente destemido. Inesquecível.

Aruanda, de Linduarte Noronha
Pode-se imaginar o que deve ter surpreendido na época. Talvez tenha sido tão ou mais forte que o Plínio Marcos, que em outro canto do país, 7 anos depois (em 1966), surpreendeu a todos colocando os ferrados Tonho e Paco no palco. Até então, o documentário, mesmo os bons, tinha um ar institucional. Na tela, aquelas imagens de Aruanda indicavam um norte a ser seguido pelo cinema de vanguarda que queria representar o Brasil nas telas.

Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard), de Billy Wilder
Um filme narrado por um morto sempre será interessante. E o oportunismo é um ótimo tema para se falar. Não pertence à categoria dos grandes temas, como inveja, ciúme ou ambição, mas todos nós temos um pouco de Joe Gillis e  Norma Desmond. É o melhor filme que já vi sobre este singelo sentimento. Sem falar que o elenco tinha tudo para caprichar nos personagens. Gloria Swanson estava de fato no ostracismo e Stroheim idem. Nancy Olson era de fato a boazinha na vida real e o William Holden agarrou o papel com voracidade”.