Na franqueza e realismo com que narrou suas memórias para o livro Maurice Capovilla – A Imagem Crítica, de Carlos Alberto Mattos (Coleção Aplauso), o popular Capô embute uma modéstia às vezes exagerada. Uma modéstia que não contempla o papel importante que ele teve nas definições de rumo do cinema brasileiro moderno.
Capovilla foi um dos primeiros a encarar o desafio de fazer som direto no Brasil. Em Viramundo, de Geraldo Sarno, por exemplo. Da mesma forma, foi pioneiro em enxergar o potencial de diálogo da TV com o cinema, propondo, entre outras coisas, a realização dos primeiros telefilmes brasileiros, em 1980. Dois anos antes, havia radicalizado a junção de documentário e ficção no antológico Globo Repórter O Último Dia de Lampião.
Ex-jogador juvenil do Guarani de Campinas, ele celebrou também o casamento entre cinema e futebol ao longo de toda a carreira. A começar pelo clássico Subterrâneos do Futebol, produzido por Thomaz Farkas em 1964, uma das experiências inaugurais do cinema-verdade entre nós. Mais tarde, a bola rolaria em diversos docs e programas de TV, o último dos quais foi a série documental No País do Futebol, dirigida para o Canal Brasil em 2005-2006.
O caminho que trilhou até o cinema passou pelo jornalismo, pela cinemateca, pela militância política e pela boemia paulistana. Resultado: filmes críticos e inovadores como Bebel, Garota Propaganda, O Profeta da Fome, O Jogo da Vida e Loucura, seu kafkiano episódio do longa coletivo Vozes do Medo.
Grande parte da obra de Capovilla é virtualmente “invisível”, ou porque relegada aos arquivos das TVs Globo, Bandeirantes e Manchete, ou porque feita na transmissão de ensinamentos a sucessivas gerações de jovens cineastas. Ele foi professor da Universidade de Brasília, da Escola de Cinema e TV de Cuba e do Instituto Dragão do Mar, em Fortaleza. A experiência se repete agora no Acre. Desde 2004, juntamente com sua mulher, a produtora e montadora Marília Alvim, ele ajuda a forjar o espírito do Núcleo de Produção Digital da Usina de Arte João Donato, em Rio Branco.
No segundo semestre de 2007, decolou finalmente o curso de cinema e vídeo da Usina, que vai se transformando, nas palavras de Capô, em “um ponto de referência para a experimentação de linguagens e intercâmbio com as culturas indígena e latino-americana”.
Capô anda investindo o seu imaginário em Nervos de Aço, projeto de longa-metragem que pretende falar da paixão segundo Lupiscínio Rodrigues. Ele evoca a inspiração de Ensaio de Orquestra, de Fellini. As linguagens vão se entrelaçar, como o autor bem gosta. Musical, psicodrama, documentário – e um triângulo amoroso para fazer jus a Lupiscínio. Além do longa, está planejada um pequena série de docs para a TV Cultura.
Quando apontou seus filmes-faróis, a lista veio precedida de um puxão de orelha:
“Coisa que não se faz com amigos é pedir para escolher cinco filmes em tantos aos quais a gente se ligou através dos tempos… É impossível, mas aí vão eles, porque estão profundamente ligados à minha vida. Foram peças fundamentais da minha formação de cineasta e cidadão.
Pela ordem de visão:
O Homem e a Câmera, de Dziga Vertov – Minha primeira aula de cinema documentário, visto durante o Festival Russo e Soviético que a Cinemateca Brasileira organizou em São Paulo, no início dos anos 1960.
Tire Dié, de Fernando Birri – O grande impacto do cinema direto veio com Birri e se transformou na base da minha formação de documentarista – e por ser também o filme-chave para se entender o cinema latino americano.
Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos – Com esse filme surge o entendimento de que a ficção e a realidade se justapõem, se entrelaçam e se transformam na matéria-prima de uma linha fundamental do cinema brasileiro.
Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha – Este filme abre a segunda vertente fundamental que consolida um cinema transgressor e visionário, sem o qual não existiria uma visão multifacetada de um país fundado nas diferenças de etnias e culturas.
La Hora de los Hornos, de Fernando Solanas – O começo e o fim de uma visão crítica da América Latina e por isso mesmo o testamento premonitório de uma geração criadora e revolucionária que perdeu o seu destino”.