Sandra Werneck

A diretora de Pequeno Dicionário Amoroso e Meninas integra um bom grupo de cineastas brasileiros que transitam com segurança entre a ficção e o documentário. Aliás, foi no cinema do real que sua carreira germinou, nos anos 1980, com os médias Ritos de Passagem, sobre travestis, Pena Prisão, doc dramatizado sobre o cotidiano de mulheres presidiárias, Geleia Geral, manifesto irreverente em defesa da cultura popular e contra o descaso e o paternalismo do Estado, e Damas da Noite, sobre prostituição.

Em 1991, A Guerra dos Meninos inaugurou no seu cinema uma temática que permanece viva até hoje. A esse filme pioneiro sobre o extermínio de crianças nas ruas brasileiras, premiado no Festival de Amsterdã, seguiu-se Profissão Criança, sobre trabalho infantil.

Pequeno Dicionário Amoroso, Amores Possíveis (melhor filme latino-americano no Festival de Sundance) e Cazuza – O Tempo não Para, realizado a quatro mãos com Walter Carvalho, combinaram sucesso de crítica e de público, fazendo de Sandra uma legítima cineasta popular. Mais recentemente, o doc Meninas, sobre gravidez precoce, e o fic Sonhos Roubados evidenciaram seu talento na continuidade entre os dois modos de cinema.

No momento, Sandra Werneck saboreia o êxito da filha, a documentarista Maya Da-Rin, e prepara um roteiro original de ficção, sobre o qual prefere não falar por enquanto. “Ainda estou achando o filme”, explicou.

Para sua lista de Faróis, Sandra apontou e comentou cinco docs que incorporam ou discutem elementos de representação, ao mesmo tempo em que põem em xeque o estatuto do documentário. São eles: 

Jogo de Cena – Eduardo Coutinho

“Jogo de Cena não pode se enquadrar em nenhuma nomenclatura “pré-Jogo de Cena”. Coutinho criou com o filme uma categoria própria de cinema. Um palco de teatro vazio, a câmera de frente para a plateia e o ator de frente para a câmera. Jogo de Cena fala da construção da cena, da atuação e da representação, do ato de encenar e dirigir. Coutinho faz uma linda homenagem ao cinema, à arte e à vida”.

O Homem com a Câmera – Dziga Vertov

“O Homem com a Câmera é um primoroso trabalho de montagem. Vertov amplia o sentido de cada imagem através dos jogos de montagem que constrói no filme, sendo ainda hoje, quase 100 anos mais tarde, uma obra inovadora e inventiva”.

Santiago – João Moreira Salles

“João Moreira Salles precisou de 13 anos de distanciamento para recriar as imagens que filmara no passado. Santiago é um filme sobre relações e transformação;  a de João com seu antigo mordomo, com sua casa de infância e com o documentário. Aquelas antigas imagens filmadas em preto e branco se tornam o material que permite a João ir ao encontro da sua memória e a partir dela criar uma corajosa reflexão sobre os métodos e formas de se fazer cinema”.

Salve o Cinema – Mohsen Makhmalbaf

“Salve o Cinema é um filme sobre as pessoas que querem estar no cinema e também sobre pessoas que desejam se tornar imagens. Um filme extremamente contemporâneo nos dias de hoje. Através dos testes de elenco para um filme que nunca será realizado, Makhmalbaf fala sobre o sonho, o desejo, o Irã e o cinema. Um filme que se constrói no passado, reinventando o futuro”.

Pouco a Pouco (Petit à Petit) – Jean Rouch

“Nesse filme, Rouch inverte a relação entre a Europa e a África, entre a colônia e o colonizador, de uma maneira lúdica e inventiva. Um nigeriano caminha pelas ruas de Paris interpelando os franceses com uma série de perguntas sobre seus hábitos e origens. Avalia suas vestimentas, suas arcadas dentárias, mede seus crânios, da mesma forma como foi feito na África pelos franceses tempos atrás. O filme é uma autocrítica à etnologia realizada por um autor que possui grande intimidade com o assunto. Pouco a Pouco é um filme provocativo e lúdico, um jogo que altera nossas perspectivas, invertendo pontos de vista usuais”.