Ricardo Miranda

Publicado originalmente em maio de 2007

Paulo César Saraceni e Gustave Flaubert são, digamos assim, os parceiros do momento na carreira de Ricardo Miranda. Nos últimos anos, ele montou O Gerente (onde também faz figuração afetiva) e Casimiro, de Saraceni, e cumprimentou o amigo com o doc A Etnografia da Amizade. De Flaubert, levou à tela um conto em versão nada convencional intitulada Djalioh (leia resenha). Enquanto exibe Djalioh em festivais e prepara seu lançamento em circuito no ano que vem, já mandou preparar a primeira tradução brasileira de outro conto flaubertiano, Paixão e Virtude, com que pretende fazer um díptico ao lado de Djalioh. Em ambos os contos, há curiosas referências de Flaubert ao Brasil.  

Ricardo Miranda entrou no cinema pela moviola e, a partir de 1969, estabeleceu-se como um dos montadores preferidos daquilo que Jairo Ferreira chamava de “cinema de invenção”. Glauber Rocha o chamou para dar a forma final de A Idade da Terra. Arthur Omar dividiu com ele o último corte de boa parte de sua obra. Ele montou, ainda, filmes de Saraceni, Ivan Cardoso, David Neves e Vladimir Carvalho. Nos últimos anos, editou O Romance do Vaqueiro Voador, de Manfredo Caldas, os docs extras dos DVDs de Terra em Transe, A Idade da Terra O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, e ainda três docs de Denis Wright sobre a Guerra do Paraguai. Acaba de fechar a montagem de um doc de César Oiticica sobre o tio Hélio e do curta Janela, de Clarissa Ramalho. Um pouco antes, para Helena Ignez, montara A Canção de Baal e fizera o sofisticado desenho de som de Luz nas Trevas, a retomadado personagem de O Bandido da Luz Vermelha. 

Como diretor, Ricardo Miranda tem obra de exceção dentro do cinema brasileiro, dotada de forte marca autoral e ambição antropológica. Nela destacam-se ainda a ficção Assim na Tela como no Céu (em que o inferno aparecia equipado com ilhas de edição!), e docs sobre artistas (Mojica, A Passagem do OlharCâmara Cascudo, Gilbertianas), críticos de cinema (O Presidente do Mundo, sobre Almeida Salles, e Território Crítico, sobre Jean-Claude Bernardet) e o povo brasileiro (Descobrir). Na TV Brasil, ele coordena a equipe responsável pela confecção de interprogramas.

Os alunos da cadeira de montagem da Escola de Cinema Darcy Ribeiro, no Rio, beneficiam-se regularmente das suas lições de ousadia. Algumas delas constarão do artigo que ele fez para a próxima edição da revista Filme Cultura, tomando como mote o trabalho de montador de um de seus “faróis” humanos, Gustavo Dahl.

Em maio de 2007, Ricardo Miranda teve seus filmes-faróis apresentados no extinto DocBlog. Na ocasião, ele enumerou uma lista eclética, que ia de Jean-Marie Straub a Vladimir Carvalho. Para esta nova publicação, ele ampliou o leque de 5 para 10 filmes, mas sem perder o gume de um cinema comprometido com os limites da representação e da narratividade. Aí vão eles:

“Sem ordem, sem documento, sem saber como me vieram os dez  filmes. Filmes cabeceira. Filmes que vejo e revejo, e sempre rompem minha emoção. Filmes em que penso na hora de pensar cinema:

1. Três Cantos para Lenin – É o filme em que Dziga Vertov põe em prática teorias produzidas desde os anos 1920, com total emoção. Fico extasiado cada vez que assisto.

2. O Velho e o Novo (A Linha Geral) – Os filmes de Eisenstein são filmes de cabeceira. Este não paro de ver e rever. A sequência da procissão transcende as teorias construtivistas do cinema.

3.  Uma Visita  ao Louvre, de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub – Impressões do pintor  Cézanne sobre algumas das principais obras de arte do Museu do Louvre. Enquadramentos   rigorosos e precisos vibram com cores e formas da pintura. Um filme de palavras. Extraordinário.

4. A Pedra da Riqueza – O filme mais equilibrado entre o particular e a grande metáfora. Quando assisti registrei e nunca mais me esqueci deste documentário do Vladimir Carvalho.

5. Crônica de Anna Magdalena Bach – Fenomenal filme de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub. Citando Straub, “uma das tarefas é achar imagens que não bloqueiem a imaginação do espectador”.

6. O Leão de Sete Cabeças – Extraordinário filme de Glauber Rocha. Aqui Glauber engendra  “um incêndio simbólico para fazer a libertação brotar das cinzas do ícone deposto.”

7. Mal dos Trópicos, de Apichatpong Weerasethakul – Narrativa única municiada por estranha mitologia da Tailândia. Tradição/invenção; lenda/fato; sensação/história.

8. Medeia, de Pier Paolo Pasolini – Ritos, beleza, cinema. Instintos, paixões e sentimentos.

Um filme que te acompanha no dia após dia.

9. Di-Glauber  – Pequeno, grande, enorme, fundamental filme.

10. Número Dois, de Jean-Luc Godard – Godard após os experimentos do Groupe Dziga Vertov. Cotidiano e sexualidade. Ver revendo. ReveЯ.