Publicado originalmente em junho de 2011
Aos 61 anos e vencendo bravamente problemas de saúde, Silvio Tendler encontra-se numa das fases mais prolíferas de sua carreira. Depois de lançar os longas Utopia e Barbárie e Tancredo: A Travessia, ele acaba de botar nas lojas uma caixa de DVDs e um livro sobre os “Quatro Baianos Porretas” já revisados por suas lentes: Glauber Rocha, Milton Santos, Castro Alves e Carlos Marighella. Ao mesmo tempo, vê-se envolvido em quatro novos projetos de documentário de longa metragem.
Já na Mostra Fotocine, que começa dia 28 de junho no Centro Cultural Correios (Rio), Silvio vai exibir uma versão in progress de Caçadores da Alma II, sequência longa do seu média de 1988 sobre fotógrafos. Outro acepção de alma estará em jogo no filme que vai fazer a partir do livro A Alma Imoral, do rabino Nilton Bonder. “Vai ser um desafio transpor para o cinema esse livro anti-darwinista e transgressor”, prepara-se.
Mais adiantado está o projeto de levar para as telas o Poema Sujo de Ferreira Gullar. Intitulado Há Muitas Noites na Noite, o filme vai integrar atores, músicos, animadores e grafiteiros, com filmagens em São Luís e Buenos Aires. O enfoque político não desaparecerá por conta da poesia: “O Poema Sujo foi o ‘lugar’ onde o Gullar se exilou no auge da ditadura”, situa o cineasta.
O papel heróico dos advogados que correram riscos e sofreram humilhações para defender, voluntária e muitas vezes gratuitamente, presos políticos durante o regime militar vai ser abordado por Silvio em outro longa. Os Advogados Contra a Ditadura – Por uma Questão de Justiça terá como base uma pesquisa de professores da PUC-Rio, universidade em que Silvio leciona.
Por fim, o incansável Tendler está fechando a edição de um média para campanha da Fiocruz contra agrotóxicos e um curta sobre o multi-artista e ativista israelense Juliano Mer-Khamis, personagem de Utopia e Barbárie que foi misteriosamente assassinado em abril último. O curta vai se chamar Matzeiva, que significa lápide. “Será uma lápide cinematográfica para o Juliano”, explica Silvio.
Os Faróis de Silvio Tendler foram publicados pela primeira vez no DocBlog, em 2007. Na ocasião, ele apresentou sua lista com a seguinte introdução: “Vivo de memória(s), gosto do jogo. Não direi que são os melhores filmes da minha vida, mas os que mais me influenciaram”. Para essa reaparição, ele pediu para incluir Trabalho Interno, Oscar de melhor doc de 2010. Fica, então, assim:
1- Caravana Farkas (Não se trata de um filme mas de um momento mágico: a descoberta do documentário) e suas cercanias: Viramundo de Geraldo Sarno e Roda e Outras Histórias de Sérgio Muniz. Além do Lavra-Dor de Paulo Rufino. No primeiro momento, contam como um só filme.
2- Manhã Cinzenta de Olney São Paulo. A proximidade com o cineasta foi fascinante para um menino de 18 anos, no bar do MAM, nos intervalos das sessões de Cinemateca.
3- A Sexta Face do Pentágonode Chris Marker e François Reichenbach, visto na mesma Cinemateca do MAM em sessão organizada pelo grande Cosme Alves Netto com filmes independentes “norte-americanos”. Anos depois descobri que Chris Marker era francês.
4- O Sertão do Rio do Peixe, que vi pela primeira vez, com os mesmos 18 ou 19 anos, na moviola da Mapa filmes do Zelito Viana. Magia pura: cinema, documentário e moviola giravam na minha cabeça de menino que queria mudar o mundo. Estávamos em 68 ou 69. O filme virou O País de São Saruê e o menino, um cineasta eternamente grato a Zelito, Vladimir Carvalho, Geraldo Sarno, Sérgio Muniz, Paulo Rufino, Olney São Paulo e Chris Marker. A Cosme minhas melhores lembranças.
5- O segundo momento: Chile, governo do Allende: filmes do cubano Santiago Alvarez (Now, LBJ, 79 Primaveras), Joris Ivens (o clássico Terra Espanhola, Borinage e a série sobre o sudeste asiático). E os filmes militantes dos chilenos: Venceremos de Pedro Chaskell, Mijita dos Irmãos Castilla.
Estes são os cinco primeiros “filmes” que fizeram minha cabeça, depois vieram os outros mil, mas isto será outra história. O filme mais importante realizado no Brasil durante a ditadura é Os Inconfidentes de Joaquim Pedro de Andrade, que fez minha cabeça para fazer Castro Alves.
Depois terá a suíte do remorso pelos não citados: Manoel Horácio Giménez e Maurice Capovilla em Brasil Verdade, Roberto Santos e Marcelo Tassara em Tributo a Guimarães Rosa. Viva João Batista de Andrade e Jorge Bodanzki, que entraram em minha vida depois!!!
6 – Trabalho Interno (Inside Job), de Charles Ferguson. Um filme seminal. Botou o dedo na ferida das falcatruas que custaram milhões de dólares não só aos EUA, mas ao mundo inteiro. Modéstia à parte, ele dialoga com o meu Encontro com Milton Santos, embora vá além ao apresentar os dados e dar nomes aos bois. Inside Job mostra que o cinema está indo cada vez mais para o campo da ação política. E que esse modelo de documentário dominante no Brasil, de reproduzir o que Jonas Mekas fez nos anos 1960, está superado.