Conversa com a cineasta no dia 06 de setembro
Jornalista, cineasta, roteirista e produtora, Tetê Moraes nasceu no Rio de Janeiro. Formada em Direito pela UFRJ em 1966, ela iniciou sua carreira profissional como diagramadora no jornal O Sol, que depois foi tema de um dos seus documentários, e integrou o Ministério das Relações Exteriores. Após o decreto do AI-5, Moraes foi presa durante a Ditadura militar e exilou-se no Chile, Estados Unidos, Portugal e França. Fez mestrado de Comunicação Social na American University. Retornou ao Brasil, em 1979, devido a um processo instaurado de anistia para exilados políticos. Tornou-se, então, professora de Comunicação Social na Universidade PUC/RJ. Foi membro do Conselho Superior de Cinema e faz parte de entidades como ABRACI (Associação Brasileira de Cineastas) e DBCA (Diretores Brasileiros de Cinema e Audiovisual).
A estreia no cinema acontece com Aulas e Azeitonas (1976), filmado em Portugal, sobre a ocupação de uma quinta no Alentejo. Em seguida, realiza o curta Quando a Rua Vira Casa (1981). Rodado em 16 mm, o filme registra o bairro carioca do Catumbi e reflete sobre como o planejamento urbano afeta o cotidiano dos moradores. Já no ano seguinte consegue realizar o seu primeiro longa-metragem, Lages, a Força do Povo, em que documenta a experiência de participação popular na administração do município catarinense. Tetê também dirigiu e produziu uma série de documentários para a BBC de Londres e outros canais europeus tendo o Brasil como temática. O grande destaque é a minissérie Brazil, Brazil (1985).
A consagração como cineasta chega com o lançamento de Terra para Rose (1987), um dos mais importantes documentários da História do cinema brasileiro. Com narração da atriz Lucélia Santos, o filme apresenta a luta pela reforma agrária. O projeto começou quando a diretora pesquisava para um longa sobre mulheres e a questão agrária. Ela se deparou com um imenso acampamento de ocupantes na Fazenda Annoni, no Rio Grande do Sul. Nesse local, conheceu e se encantou pela combativa lavradora Roseli Seleste Nunes da Silva e decidiu registrar o contexto de sua luta e martírio. A obra foi vencedora do Festival de Brasília e Havana. Dez anos depois, Moraes retoma os personagens e a questão agrária em O Sonho de Rose (2000): apresenta experiências bem-sucedidas de assentamento e progresso a partir do Movimento dos Sem-Terra (MST).
Já o longa O Sol – Caminhando contra o Vento (2006) documenta o nascimento do jornal-escola de resistência à Ditadura militar. Apesar de rápida existência, ele revelou grandes nomes da imprensa e seu trabalho ainda repercute em termos políticos e gráficos no mercado. Em 2019, lança nos Festivais de Brasília e do Rio o documentário Família de Axé, sobre uma família baiana de candomblé, que luta para manter viva a cultura e religião de seus ancestrais africanos.
Filmografia selecionada
Família de Axé (2019)
O Sol – Caminhando contra o Vento (2006)
Terra Para Rose (1987)
Lages, a Força do Povo (1982)
//Filmes Faróis
Quando tive a honra de participar do iluminado projeto Faróis do Cinema em 2014, com meu filme Terra Para Rose, sobre o início da luta dos sem-terra e do MST, apontei filmes lindos e ligados às lutas sociais, como o Cabra Marcado Para Morrer, do Eduardo Coutinho, que influenciou toda uma geração; Corações e Mentes (Hearts and Minds, 1974), de Peter Davis; Harlan County U.S.A. (1976), de Barbara Kopple; e O Fundo do Ar é Vermelho (Le Fond de l’Air est Rouge, 1977), de Chris Marker. São filmes eternos que continuam na minha história e memória. Porém, nos últimos anos voltei meu interesse também para filmes que tratam de questões femininas, da vida de mulheres e realizados por mulheres. Observo que nos meus filmes, mesmo os que focam em movimentos sociais, as mulheres estão sempre em primeiro plano.
Portanto, hoje para o Faróis do Cinema de 2024, quero atualizar a minha lista com filmes de Agnès Varda, em especial seus dois últimos trabalhos: Visages, Villages (2017) em que a diretora, já bem idosa, faz uma peregrinação pelo interior de seu país, França, acompanhada de um amigo mais jovem, fotógrafo, para descobrirem pessoas e lugares. E seu último filme, Varda por Agnès (Varda par Agnès, 2019), que é autobiográfico e percorre sua vida e sentimentos.
Olhando mais perto de mim, quero citar filmes de Helena Solberg, como seu primeiro A Entrevista (1966), e Meu Corpo, Minha Vida (2017), um documentário sobre o direito da mulher ao próprio corpo, e ao aborto. Helena também fez dois documentários sobre mulheres latino-americanas, A Dupla Jornada (1976) e Simplesmente Jenny (1977), dos quais participei da pesquisa inicial quando a conheci em Washington, D.C., onde vivi duplamente exilada, do Chile e do Brasil.
Também destaco filmes de Denys Arcand, canadense, de Quebec. São filmes sensíveis que tratam da finitude e envelhecimento, como o recente Testamento (Testament, 2023).
Tenho o projeto de realizar um documentário, Mulheres Maravilhosas (título provisório), em que irei reencontrar mulheres 60+ que conheci ao longo de minha trajetória. A produtora é uma colega, Juliana de Carvalho. Helena Celestino, jornalista, participa do roteiro. Também Martha Alencar Carvana, uma das personagens, que foi minha parceira no filme O Sol – Caminhando contra o Vento.
Vivo uma fase da vida em que o passado é maior que o futuro, portanto há que viver o presente e refletir sobre o passado, e viver bem cada dia que passa.