Publicado originalmente em agosto de 2007
Eryk Rocha passou o mês de janeiro deste ano percorrendo 14 mil km de estradas da América do Sul. No pequeno grupo, a bordo de dois jipes Land Rover, estavam também o cientista político João Carlos Nogueira e o historiador Francisco Carlos Teixeira, entre outros. Eles partiram do Brasil pelo Centro-Oeste e a Amazônia, cortaram o Peru e terminaram na Bolívia de Evo Morales, onde a viagem, segundo Eryk, “explodiu dramaticamente. Ele filmou a geografia e os encontros com gente simples dos povoados, deixou a câmera “respirar” os ecos da cultura inca.
Agora está montando um longa a partir das 90 horas gravadas, que mais tarde vão gerar também uma série de TV. “Eu já tinha vontade de fazer uma radiografia poética do continente e investigar o que há – ou não há – de projeto cultural por trás do discurso de integração sul-americana”, conta. Em conversa por telefone, os adjetivos ficam inquietos na boca de Eryk. Logo depois de usar o termo “poético” ele promete um ensaio “político-mítico”, pontuado pelas falas de um xamã em idioma quéchua, onde a revolução cocalera vai conviver com a ancestralidade sul-americana. O filme, ainda sem título, deverá ser um misto de diário de viagem, doc de entrevistas e reflexão autoral. “Quero saber onde nós, brasileiros, podemos buscar nossas raízes para construir um pensamento novo e uma linguagem nova”, pergunta.
Eryk vê nesse projeto a conclusão de uma trilogia sobre o imaginário, a política e a multidão, iniciada com Rocha que Voa (recém-lançado em DVD pela Europa Filmes) e Intervalo Clandestino. Seu tempo diante da ilha de edição está dividido com o DVD da peça Os Sertões – A Luta 2, de Zé Celso Martinez Corrêa, que ele dirigiu e agora edita em São Paulo com o irmão Pedro Rocha. Este será um “épico musical”, gravado com 20 câmeras e fadado a ser “alguma coisa que não é bem teatro nem cinema”.
Como personagem e co-produtor de Diário de Sintra, Eryk aposta nesse trabalho de sua mãe, Paula Gaitan, como sinalização de um caminho de cinema poético diferente do que vem sendo praticado no doc brasileiro atual. O filme enfoca os últimos tempos de Glauber na cidade portuguesa.
Algum roteiro novo? Sim, o do primeiro longa fic, a ser rodado no ano que vem. Através da solidão de um recém-aposentado no Rio de Janeiro, Transeunte vai dramatizar um dos temas prediletos de Eryk Rocha, o anonimato.
Bem, vamos aos seus filmes-faróis, enviados com a ressalva de que foram escolhidos “com o impulso e o fluxo do momento”:
1. O Homem com a Câmera, de Dziga Vertov – pela revolução e a novidade que realiza no coração da linguagem cinematográfica, abrindo novas perspectivas para o cinema!
2. Ociel del Toa, de Nicolás Guillén Landrián – por acreditar na potência das imagens e da poesia (não verbal) e o desejo de falar da solidão do ser humano
dentro de um contexto político-social. Um filme hiperpolítico sem falar diretamente de política. (Isso tudo num filme de 10 minutos).
3. Iracema, uma Transa Amazônica, de Jorge Bodanzky e Orlando Senna – pela simbiose que realiza entre documental e ficção, desfronteirizando esses aparentes limites.
4. Memórias do Subdesenvolvimento, de Tomás Gutiérrez Alea – talvez seja um dos grandes documentários da história sendo um filme de ficção.
5. As Estações, de A Pelechian – por acreditar num cinema épico e epidérmico. De fluxo poético, sangüíneo, cósmico, inventando novas relações espaciais-temporais entre imagem e música através da montagem. Um poema do que é SER E ESTAR no mundo. Em qualquer mundo, em qualquer época.