Conheço Evaldo Mocarzel desde os anos 1980, quando ele era crítico de cinema do jornal O Fluminense, em Niterói. Durante todo esse tempo, não me lembro de uma frase sua que não tivesse pelo menos uma ponta de paixão ou entusiasmo. Pelo cinema, pelos textos, pelas artes de uma maneira geral, pelas coisas que observava na rua.
Também o ouvia sempre falar que queria fazer cinema – e se referia ao cinema de ficção. Acabou ficando no jornalismo. Foi para O Estado de S. Paulo, onde criou novos parâmetros de qualidade no jornalismo cultural como editor do Caderno 2. Mas ele era bom demais para o jornal e o tiraram de lá. Era a hora de satisfazer o velho desejo. Foi estudar cinema em Nova York e lá fez um curta ficcional sobre roubo de imagem, Pictures in the Park. Quando voltou, porém, o corpo-a-corpo com a realidade o fez optar pelo documentário.
À Margem da Imagem foi o doc mais premiado de sua temporada no Brasil e abriu uma avenida para Evaldo. Mensageiras da Luz – Parteiras da Amazônia, Do Luto à Luta e À Margem do Concreto deram seqüência à abordagem de temas sociais mesclada com a preocupação da reflexividade. Em todos os seus docs, Evaldo questiona a relação de seus personagens com a imagem e com o próprio filme, o que é uma forma de inquirir-se permanentemente sobre a sua vida de cineasta, cidadão, pai etc.
1) O Sacrifício, de Andrei Tarkovski.
Um dos maiores filmes da História do Cinema, que focaliza a impotência da arte em modificar a truculência de um regime autoritário. Só resta ao professor de estética vivido por Erland Josephson devanear com cenas de auto-imolação, como também aconteceu em Nostalgia, do mesmo Tarkovski, em que um personagem lança fogo sobre o próprio corpo numa praça pública. O Sacrifício é um passo adiante. Talvez o grande legado desse escultor do tempo, apesar de tanto desencanto. O projeto contou com a ajuda de ninguém menos que Ingmar Bergman, que, admirador de Tarkovski e sensibilizado com sua luta contra o câncer, procurou viabilizar a produção, com direção de fotografia magnífica assinada pelo grande parceiro do mestre sueco: Sven Nykvist. Obra-prima visceral e arrebatadora.
2) Um Homem com uma Câmera, de Dziga Vertov.
Trata-se do maior documentário de toda a História do Cinema. Na verdade, não é apenas um documentário, mas um autêntico tratado filosófico sobre as especificidades da linguagem do cinema e, principalmente, sobre o olhar da câmera, capaz de flagrar a essência da realidade sem os psicologismos do caótico olhar humano, por mais que esse último esteja por trás do visor da câmera. “Um Homem com uma Câmera” é também um libelo contra o cinema de ficção lacrimogêneo, contra a banalidade do drama burguês. É ainda um esplendoroso manifesto metalingüístico sobre as possibilidades da montagem, todo pontuado por seqüências antiilusionistas que desnudam o processo de manipulação do próprio cinema. Um filme seminal, realizado em 1929, com uma construção moderníssima que influenciou gerações e ainda influencia novos realizadores.
3) Terra em Transe, de Glauber Rocha.
Um dos filmes mais importantes de toda a História do Cinema Brasileiro e que contaminou cineastas de vários países com seu genial roteiro joyceano, construído como um fluxo de consciência de um personagem em agonia, dividido entre a política e a poesia. Um filme existencialmente político no seu sentido mais visceral. Martin Scorsese e Francis Ford Coppola já declararam que gostam de ver filmes de Glauber quando se sentem em marasmo criativo. Um transe cinematográfico brasileiríssimo e sem precedentes na História do Cinema.
4) Diário de um Padre de Aldeia, de Robert Bresson.
Foi o último filme no qual Bresson trabalhou com atores, passando em seguida a trabalhar apenas com modelos, como um pintor. Diário de um Padre de Aldeia é um dos trabalhos mais doloridos do mestre francês, que criou uma nova sintaxe para a linguagem do cinema, pensando a imagem como pintura e o som, como uma partitura musical. Guru de nomes como Jean-Luc Godard, Abbas Kiarostami, Bruno Dumont e Tsai Ming Liang, Bresson buscava, à maneira de um documentarista, a essência do real em seus filmes de ficção. Ele acreditava numa espécie de revelação, de epifania do real no automatismo dos corpos de seus modelos e em situações aparentemente banais do cotidiano. Bresson levou ao paroxismo as possibilidades do espectador de confeccionar imagens com o próprio imaginário, trabalhando as ações de suas narrativas nas bordas ou fora do quadro cinematográfico. Um artista único cuja obra ainda precisa ser muito estudada pelas novas gerações.
5) M – O Vampiro de Düsseldorf, de Fritz Lang.
Primeiro filme sonoro do mestre alemão, realizado em 1931, é um mergulho na sociedade germânica comandada por um poder paralelo de criminosos e contrabandistas após a Primeira Guerra, que possibilitou a chegada ao poder do nazismo. “M” é um filme pós-expressionista, mas foi fortemente marcado pelo movimento. Sua fotografia contrastada é esplendorosa, sem meios-tons: o que é claro é claro, o que é escuro é nigérrimo. Estamos em busca do lado obscuro da alma humana através de um assassino em série de menininhas, vivido magistralmente por Peter Lorre. Uma das seqüências finais, em que o personagem de Lorre é julgado pelos bandidos, é um dos maiores tesouros dramatúrgicos do cinema mundial.
6) Wilsinho Galiléia, de João Batista de Andrade.
Realizado em 1978 para o Globo Repórter, Wilsinho Galiléia é um dos documentários mais importantes da História do Cinema Brasileiro. Um filme seminal, com uma linguagem inovadora e atualíssima, que utiliza até mesmo uma encenação brechtiana para reconstituir o assassinato do criminoso que dá nome ao documentário. Morador de uma das maiores favelas de São Paulo na época, Galiléia, Wilsinho entrou para o crime com 15 anos e morreu três anos depois, com uma quantidade imensa de assassinatos e assaltos nas costas. A seqüência da mãe de Wilsinho numa penitenciária visitando seus filhos presos já entrou para a antologia dos momentos mais marcantes do documentário brasileiro de todos os tempos. Depois de muitos anos censurado, Wilsinho Galiléia foi exibido no É Tudo Verdade e será relançado num futuro não muito distante, pois toda a obra de João Batista está sendo recuperada pela Raiz Produções.