Eduardo Coutinho

Publicado originalmente em maio de 2019

O teatro, pelo jeito, fisgou Eduardo Coutinho. Depois da experiência de filmar Jogo de Cena num Glauce Rocha semivazio, ele pretende continuar às voltas com atores e palcos. Ainda não quer falar muito sobre Antes da Estréia, título de trabalho do seu próximo filme [que viria a ser Moscou]. Só adianta que é “mais um projeto sobre teatro”. Ressalva que está “tudo muito vago”.  Diz que “tem documentário e ficção”. E pronto, prefere mudar de assunto.

O assunto agora são os seus “faróis”. Como sabem os leitores assíduos do DocBlog, a série Faróis revela os filmes que mais impressionaram ou influenciaram os principais documentaristas brasileiros. Você pode ver a lista no menu à direita da sua tela. Nos cinco títulos apontados por Coutinho, não é de surpreender que três sejam de ficção. E com lugar até para faroeste de John Wayne.

Bem antes de cair na real, Coutinho surfava na dramaturgia inventada. E também no teatro. Um de seus primeiros trabalhos foi dirigir uma montagem da peça Pluft, o Fantasminha em Paris. Foi assistente de direção de Amir Haddad e por pouco não dirigiu o segundo longa do CPC, baseando-se em poemas sociais de João Cabral de Mello Neto. Mais tarde, colaboraria nos roteiros de A Falecida e Garota de Ipanema, de Leon Hirszman, Os Condenados, de Zelito Viana, Lição de Amor, de Eduardo Escorel, e Dona Flor e seus Dois Maridos, de Bruno Barreto. Como diretor de ficção, assinou o episódio O Pacto do longa ABC do Amor e os longas O Homem que Comprou o Mundo e Faustão

Coutinho assegura que o exercício da ficção ensinou-lhe a detectar o teor ficcional dos documentários, uma espécie de dramaturgia difusa que responde pelo fascínio de filmes como Santo Forte, Edifício Master, O Fim e o Princípio e Jogo de Cena.

Ele enviou seus “filmes-faróis” datilografados por fax. Transcrevo o texto na íntegra, pois equivale a ouvi-lo falando:

“Filmes, sem faróis. Primeira impressão – choque pós. Em geral, sem revisão (desilusão? ou não). Sem ordem de preferência (ou choque)

1. Shoah, de Claude Lanzmann, 1983, quando vi. Diretor de um só filme, provavelmente (que preste). Se julga dono do assunto, Holocausto, impõe regras. Deve ser um chato. Mas o filme é extraordinário. Tudo no presente, sem arquivos. Importância do mecanismo de morte no atacado: problemas de gestão industrial. Nove horas de duração. Sofrimento e recompensa.

2. A Morte de Empédocles, do (Jean-Marie) Straub (e Danièle Huillet). Visto na Cinemateca do MAM. Som direto, colinas do Sul da Itália, atores vestidos a caráter, texto clássico (Hölderlin). Sem voz off. Palavras, vento. Tragédia seca, esta sim.

3. Faces, (de John) Cassavetes. Visto em 1968. Deslumbramento. Revisto 15 anos depois. Impossível corresponder à primeira impressão, filme recriado na cabeça, impossível. Quando vir pela terceira vez, creio que o filme agüenta e crescerá.

4. As I Was Moving Ahead Occasionally I Saw Brief Glimpses of Beauty (checar o título) , de Jonas Mekas. Visto em VHS, péssimo estado, em Buenos Aires, há alguns anos. Filme-diário para acabar com os filmes-diário. Testamento, final do último milênio. Nada acontece. Letreiros. Piano e a voz do Mekas reportando-se ao passado das imagens. Nenhum som direto. Planos de 2, 5 segundos. Câmara não pára. Luz e focos pras picas. Dura quase cinco horas, acho – tem que ser visto inteiro, de uma vez – se você agüentar. Tempo que passa, passou.

5. Rio Bravo, de Howard Hawks. Visto em 1959, por aí. A elegância das pessoas (homens) que andam. Se mexem. Gestos. Andam. Vivem. Uma escarradeira. Cinema clássico, além dele.

Nota – Escrito, sem revisão, em 5 minutos. Olivetti, lettera 22.