Formado em cinema pela Universidade Federal Fluminense, Eduardo Nunes iniciou sua carreira no próprio ambiente universitário, juntando-se a colegas e concorrendo em editais de curtas-metragens. Além de atuar em várias funções em filmes alheios, dirigiu cinco curtas que o situaram como uma das maiores promessas do cinema brasileiro dos anos 1990. Apesar da diversidade de temas e universos, Sopro (1994), Terral (1995), A Infância da Mulher Barbada (1996), Tropel (2000) e Reminiscência (2001) demonstravam uma consistência autoral rara e uma concepção sofisticada de tempo e espaço. Uma análise detida desses filmes e sua época foi objeto de um ensaio de Carlos Alberto Mattos.
A promessa, enfim, se concretiza com o lançamento de Sudoeste, seu primeiro longa. Não foi nada fácil realizá-lo. Nunes levou mais de 10 anos para levantar e completar a produção, compensando o orçamento exíguo com a determinação na busca do que queria e a colaboração de um elenco e uma equipe excepcionais. Ao mesmo tempo, trabalhava com frequência e afinco para a televisão.
Sudoeste narra a história misteriosa de uma mulher que vive sua vida inteira no tempo de um dia das outras pessoas de um povoado salineiro. Duas mortes marcam a fronteira desse dia mágico, em que os segredos de uma família se insinuam pelas frestas da trama e o ciclo do tempo perfaz uma espécie de volta imperfeita. As imagens em preto e branco, dispostas numa tela de horizontalidade radical, estão entre as mais belas produzidas pelo cinema brasileiro recente.
Algumas das influências de Eduardo Nunes transparecem nos seus filmes-faróis, comentados a seguir:
“Uma lista que mistura faróis de todos os tipos: referências de linguagem, pessoais e outras que sobrevivem como boas lembranças de uma sala de cinema. Sem ordem de preferência”.
Limite de Mário Peixoto
Antes de tudo por tratar-se de uma obra singular; singular na filmografia brasileira e mundial. Os últimos anos do filme mudo foram, até agora, os anos mais criativos do cinema. Este filme é contado quase todo por imagens, com uma invenção e requintes narrativos impressionantes até hoje.
São Bernardo de Leon Hirszman
Acredito que a literatura, como arte, ainda tem muito a contribuir para o cinema. Ler o livro de Graciliano e ver o filme de Leon mostra que esse diálogo não só é possível como pode enriquecer muito o “contar cinematográfico”. A solidão dos personagens, a crueza da fotografia e o lindo monólogo final… o cinema de Hirszman é econômico e preciso.
Napoleão de Abel Gance
O cinema como espetáculo. Gance sempre pensou o cinema além de seus próprios limites: os limites da tela e da sua própria linguagem. Acreditou na experiência da sala de exibição como um momento de experiência sensorial.
Era uma Vez em Tóquio de Yasujiro Ozu
A simplicidade como a forma direta de encontrar a complexidade dos personagens. A precisão em ver no cotidiano o essencial da vida: seus tempos mortos, diálogos rotineiros e emoções profundas.
A Filha de Ryan de David Lean
Glauber Rocha uma vez escreveu: “Tudo em David Lean é grandioso”. Neste filme o épico está em seus grandes planos, mas também nos closes silenciosos; na força da natureza e nos pequenos conflitos íntimos. Lean consegue filmar mistérios intraduzíveis com uma narrativa aparentemente clássica. O cinemão em sua plenitude.
Era uma Vez na América de Sergio Leone
Os principais elementos do cinema americano cuidadosamente reunidos pela carpintaria italiana de Leone. A formação da América através da violência contada com uma decupagem elegante, um criativo uso do som e personagens inesquecíveis, cheios de amor e ódio. Belas sequências e um dos mais belos finais do cinema.
Persona de Ingmar Bergman
Bergman era obcecado pela ideia da morte. A impressão que fica quando começamos a ver este filme é que ele começa dizendo: “Ok, vamos falar do que interessa: da vida e da morte.” Persona reúne experimentalismo, duas personagens fascinantes e um lindo preto e branco.
Andrei Rublev de Andrei Tarkovski
Tarkovski deu ao cinema um novo significado. Transformou um filme numa experiência espiritual. A possibilidade de, durante a projeção, transportar o espectador para uma nova possibilidade de ver o mundo. Dentro de uma pequena filmografia impecável, este filme é particularmente encantador: a busca de Andrei (Rublev) é a mesma de Andrei (Tarkovski).
Um Corpo que Cai de Alfred Hitchcock
Os filmes de Hitchcock vão do cinema mudo ao 3D, e sempre demonstram a sua capacidade de conduzir o espectador. Encanta os desafios: um suspense sem música, um outro sem cortes e mais um através de uma janela… Um Corpo que Cai é realizado numa das melhores fases de Hitchcock, cercado de obras-primas. Mas é o mais melancólico de todos.
A Aventura de Michelangelo Antonioni
Antonioni faz desse filme uma viagem onírica sem volta. Um sonho filmado. Não sabemos exatamente o que acontece, como (e quando) acaba. A relação entre os personagens é construída aos poucos, entre silêncios e longos planos. E quando percebemos já estamos totalmente envolvidos pela narrativa.