Um dos idealizadores da Mostra Faróis do Cinema, juntamente com Mariana Bezerra, e curador desta segunda edição, Marcelo Laffitte define-se como “um realizador”. Não só de filmes, mas de eventos como este. Ou de uma exposição interativa como Fernando Pimenta em Cartaz, apresentada recentemente no Oi Futuro de Ipanema. Ou, ainda, da mostra Noites de Chanchada, que vai recordar o gênero popular por excelência na Caixa Cultural RJ em 2012.
Por conta desse apetite plural, Laffitte já presidiu a Associação Brasileira de Documentaristas e laboriosamente construiu sua carreira em diversas funções técnicas e de produção nos sets de cinema. Como diretor, tem alguns curtas e médias dignos de figurar em antologias, como o rashomoniano Vox Populi (1997) e o documentário Um Dia, um Circo (2006). Com Mariza Leão, co-dirigiu outro doc memorável, Regatão, o Shopping da Selva.
O primeiro longa de ficção, Elvis e Madona, testemunhou seu interesse por personagens de exceção, mas não marginais, e por um vínculo de comunicação com o público que seja direto, mas não vulgar. A história de amor entre a entregadora de pizza homossexual que sonha em ser fotógrafa e o travesti que almeja seu grande show participou de mais de 50 festivais em cerca de 30 países e conquistou mais de 20 prêmios. Existe um argumento para Elvis e Madona 2, mas a decisão de filmá-lo ainda não está consolidada. Entre as ideias que fervilham na cabeça de Laffitte está a história ficcional de Salomé, grande estrela pornô que volta a sua cidadezinha natal e enfrenta a rejeição dos mesmos conterrâneos que a consumiam em filmes e revistas.
A seguir, podemos traçar um perfil bem fiel de Marcelo Laffitte a partir de suas escolhas para a lista de filmes-faróis. Escolhas de alguém que, às vezes literalmente, pega o cinema com as mãos:
“Minha primeira vontade foi de criar uma lista com os filmes de que mais gosto. Contudo, além de serem muitos, um filme que me agrada não é necessariamente um farol para mim. Então, esta lista é dos 10 filmes que mais mudaram a minha vida.
Tom & Jerry
Foi quando entrei pela primeira vez numa sala de cinema e me tornei um frequentador assíduo. No principal cinema da minha cidade, Volta Redonda, havia a matinê Tom & Jerry todo domingo às 10 horas. As filas eram gigantescas, com 600, 700 crianças, e o privilégio de estar lá era um poderoso instrumento de chantagem psicológica para todos os pais (“se brigar com seu irmão, não vai ver Tom & Jerry”). Pensando hoje, além de ser aplicado e viciado no prazer coletivo da sala escura, vejo que também foi um excelente exercício de linguagem cinematográfica, visto que todas as animações curtas que formavam a sessão eram mudas, permitindo que nos sentíssemos todos muito inteligentes entendendo as expressões, intenções, elipses, flashbakcs, etc. Os filmes de Charles Chaplin, Harold Lloyd e Buster Keaton que vi na TV também tiveram a mesma importância.
Meu Pé de Laranja Lima, de Aurélio Teixeira
Foi a primeira vez que chorei por um filme. Ao final, entendi que o cinema não era só diversão; ele poderia também questionar as relações humanas e familiares que começavam a nos incomodar enquanto seres pensantes (“meu pai é bravo, minha mãe é chata”).
O Homem do Sputnik, de Carlos Manga
Não vi essa comédia no cinema. Vi na TV, nas sessões da tarde da Tupi, Excelsior ou Globo, onde as chanchadas brasileiras com Grande Otelo, Ankito & Cia. disputavam território com Jerry Lewis, John Wayne e Elvis Presley. Para grande parte da minha geração, essas sessões serviram como uma espécie de vacina contra a filmebrasileirofobia que assolou o país a partir dos anos 1980.
Tommy – O Filme, de Ken Russell
Assisti umas cinco vezes. Foi a minha iniciação nos papos-cabeça pós-filme e, principalmente, no universo do rock. A partir deste filme, comecei uma pequena coleção que contava com LPs de Led Zeppelin, Deep Purple, Pink Floyd e Rick Wakeman.
Minha Namorada, de Zelito Viana e Armando Costa
No final dos anos 1970, eu andava com a turma de artistas de Volta Redonda. Um dia, eles organizaram o evento Chamada Geral, que era uma semana de noites artísticas de todas as áreas. Alguém lembrou que faltava o cinema e eu, que não sabia tocar violão, não era poeta e nem sabia interpretar, me ofereci para cuidar da sessão de cineclube. Era preciso um filme longa-metragem em 16mm, e tive meu primeiro contato com a Embrafilme. Fiz uma vaquinha com os amigos e consegui alugar Minha Namorada. Não sei não, mas acho que a minha escolha de curador foi o que o nosso dinheiro poderia pagar, e com certeza, haveria cena de mulher pelada. Peguei um ônibus, vim ao Rio, paguei em dinheiro e trouxe as latas 16mm debaixo do braço. Depois da sessão, que foi um fracasso retumbante de público com quatro pessoas, achei que queria fazer filmes.
Curtas brasileiros
Depois de ver o filme do Zelito e do Armando, passei a ir ao cinema com bem mais frequência para assisitir aos curtas brasileiros que eram exibidos antes dos longas estrangeiros. Fiz meu primeiro Super 8, um documentário de oito minutos chamado Nervos de Aço, sobre trabalhadores metalúrgicos que moravam em favelas. O ano era 1979.
Bye Bye Brasil, de Carlos Diegues
Vi umas três vezes no cinema. Muitos de meus amigos também viram e tínhamos longos debates sobre o filme. E ainda tinha a canção de Chico Buarque, de quem eu era tiete declarado. Pensei: “Quando crescer, eu quero fazer um filme como esse”. Neste ano, fui estudar Sociologia na PUC do Rio.
Bete Balanço, de Lael Rodrigues
Era 1982 e eu cursava Economia na UERJ. Quase por acaso, virei assistente de produção de Tizuka Yamazaki no primeiro longa-metragem do saudoso Lael Rodrigues. O filme custou cerca de 100 mil dólares, tinha uma equipe composta de menos de 20 pessoas e fez milhões de espectadores. Antes de rodar qualquer trabalho, de institucionais ao longa, sempre pensei: “Como seria no Bete Balanço?”
Veludo Azul, de David Lynch
As situações extraordinárias e os personagens bizarros me foram apresentados por David Lynch como uma crônica da normalidade, como se o mundo fosse exatamente daquele jeito. Todos os meus trabalhos, desde Vox Populi até Elvis & Madona, têm esse ingrediente.
Conterrâneos Velhos de Guerra, de Vladimir Carvalho
Até ver esse filme, eu achava que documentário era tudo verdade. Mas os depoimentos contraditórios sobre a morte dos candangos me mostraram que documentários poderiam ser usados para brincar com a verdade. Na mesma noite em que vi o filme, escrevi o roteiro de Vox Populi.