Silvio Da-Rin

Depois de dois anos e meio à frente da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, Silvio Da-Rin finalmente embrenha-se na realização de seu terceiro longa, Os Sertanistas. Viaja em dezembro para filmagens no interior do Acre, fronteira com o Peru.

Mas da geografia do cinema há muito tempo Silvio já conhece todas as veredas. Cineclubista, foi  um dos primeiros presidentes da Federação de Cineclubes. Técnico requisitadíssimo, assinou o som de mais de 150 filmes. Documentarista, foi um dos fundadores da mitológica Corcina – Cooperativa de Realizadores de Cinema Autônomos (anos 1970) e realizou filmes memoráveis como os curtas Fênix (1980) e Príncipe do Fogo (1984), e os longas Igreja da Libertação e Hércules 56, duas das melhores reflexões sobre frentes de resistência à ditadura. Militante da classe, foi dirigente da Associação Brasileira de Documentaristas e da Associação Brasileira de Cineastas. Pesquisador e professor, publicou um livro que virou referência para estudos do documentário no Brasil, Espelho Partido: Tradição e Renovação do Documentário Cinematográfico (Azougue, 2004). 

Em sua gestão na SAv, Da-Rin aprofundou programas criados por Orlando Senna e desenvolveu novos, visando estimular a produção independente para a TV e promover a inclusão, regionalização e capacitação no setor. Atualmente, ocupa uma gerência-executiva na TV Brasil com as metas de inserir os produtos da televisão pública nos mercados internacionais, construir parcerias e co-produções com o exterior e ainda desenvolver a política de comercialização dos produtos, selos e marcas.

Mesmo com muito trabalho, ele agora encontra algum tempo para retomar o projeto de Os Sertanistas, que interrompeu ao ser convidado para a SAv. O documentário vai abordar a atualidade do sertanismo no Brasil, principalmente após a recente mudança de consciência a respeito do contato com a sociedade não-índia. “Durante os anos 1950 até meados dos 80, os sertanistas se dedicavam ao primeiro contato como abertura de caminho para projetos de estradas, hidrelétricas, etc. O resultado foi o extermínio de grandes contingentes. Hoje a ideia predominante é de evitar o contato para que os índios permaneçam vivos e índios”, explica Silvio. Uma rápida licença em dezembro o levará para a região do alto rio Envira, no Acre, onde vai filmar a volta do sertanista José Carlos Meirelles, figura central do doc, à região etno-ambiental criada por ele e onde ainda existem cerca de 500 índios isolados. Segundo Da-Rin, além de um expoente dessa nova corrente etnográfica, Meirelles é um poeta, excelente narrador e já viveu situações arriscadas e paradoxais como levar uma flechada no pescoço de um índio que ele protegia.        

Leia a seguir os comentários de Silvio Da-Rin a respeito dos seus filmes-faróis:

“Identificar cinco filmes-faróis não é tarefa fácil. Começo o retrospecto pelo filme que me despertou o sentimento de que o Brasil podia e devia ser levado à tela. Eu tinha 13 anos quando, no cinema Copacabana, assisti

Gimba – Presidente dos Valentes, de 1963.

Foi a única incursão cinematográfica do diretor teatral Flávio Rangel, baseado em uma peça de Gianfrancesco Guarnieri. Narra a história de um fugitivo da prisão que se esconde no morro da Mangueira. Eu ainda não havia assistido Rio 40 Graus. As imagens da favela e o som do samba me arrebataram como uma autêntica novidade. Nunca voltei a assistir Gimba, mas ao longo da vida fui reencontrando atores e membros da equipe, com quem convivi em sets de filmagem. O assistente de direção foi Sergio Sanz e o fotógrafo, Mario Carneiro, assistido por Fernando Duarte, trinca que tinha acabado de rodar Porto das Caixas, de Paulo César Saraceni. Paulo Emilio Salles Gomes fazia uma ponta. Com razão, Gimba não costuma figurar nas antologias – não é um grande filme. Mas pelo menos um par de planos ficaram para sempre gravados na minha retina e têm caráter documental de um Rio de Janeiro das favelas, que eu conheci primeiro através do cinema.

Nos anos seguinte, quatro filmes exerceram sobre mim o efeito fulgurante de um farol:

Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos

Os Fuzis, de Ruy Guerra

A Hora e a Vez de Augusto Matraga, de Roberto Santos,e

Terra em Transe, de Glauber Rocha.

Impossível separá-los ou hierarquizá-los. Formam um poderoso conjunto que consolidou a vocação que o filme de Flávio Rangel havia despertado.

Me tornei cineclubista aos 16 anos e, ao completar 18, só os filmes que projetei no Cineclube Canal e os que assisti na Cinemateca do MAM e no Paissandu já passavam de mil. Naquele período de cinefilia compulsiva, as sessões programadas pelo saudoso Cosme Alves Neto costumavam ser precedidas de um curta-metragem. Naquelas telas, outros faróis se acenderam para mim, entre eles

Arraial do Cabo, de Paulo César Saraceni e Mário Carneiro

Maioria Absoluta, de Leon Hirszman, e

Viramundo, de Geraldo Sarno.

Demorei alguns anos para assistir a um dos mais inventivos filmes de todos os tempos,

O Homem da Câmera, realizado em 1928.

Esse ensaio de Dziga Vertov parte do cotidiano em uma grande cidade, Moscou, e deriva para um exercício essencialmente anti-ilusionista, em que as camadas de constituição da obra – filmagem, montagem, exibição – se desdobram e metamorfoseiam, provocando estranhamento e convocando a plateia a uma permanente atividade cognitiva. Inesgotável e impossível de resumir em suas possibilidades estéticas, O Homem da Câmera continua sendo, para mim, a referência mais luminosa do documentário que não se contenta em ser “o espelho do mundo”, mas, ao contrário, busca uma escritura documental não realista, que nos estimula a produzir os múltiplos sentidos do filme.

Meu amigo Manfredo Caldas uma vez me disse que o documentário brasileiro se divide em duas fases: AC e DC – antes e depois de

Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho.

Nos últimos 25 anos, muita tinta já foi bem empregada para dissecar esse magnífico filme. Poucas obras conseguiram extrair tanta força dos efeitos da história política brasileira recente, em particular os efeitos do golpe civil-militar de 1964, sobre seus personagens. A diversidade de recursos empregada por Coutinho e a transformação de uma família nordestina ao longo do processo de filmagem fazem com que Cabra ocupe lugar central na filmografia documental brasileira. Um poderoso farol, que sempre continuará nos influenciando.”