Primeiro, como assistente e corroteirista (não creditado) de Aruanda, co-diretor de Romeiros da Guia e diretor de O País de São Saruê, A Bolandeira e Pedra da Riqueza, ele ajudou a criar o célebre ciclo do documentário paraibano. Depois, com Vestibular 70 e como professor de mais de uma geração na Universidade de Brasília, foi central na formação de um primeiro cinema brasiliense. Com vocação para semente, Vladimir Carvalho estende sua lavoura por cinco décadas de documentarismo no país.
Seus personagens tanto podem ser os humildes vaqueiros do Nordeste como figuras notáveis que povoaram sua imaginação de santos guerreiros: Teotônio Vilela, José Américo de Almeida, José Lins do Rego, Oscar Niemeyer. Avesso à observação indiferente ou ao didatismo cientificista, optou pelo documentário politicamente afirmativo, atravessado pela flecha do afeto. A atenção ao trabalho e às artes do povo, submetidos à exploração capitalista ou alimentados pela vontade utópica, é a marca de grande parte de sua obra.
Após a mudança para Brasília, em 1970, Vladimir deu um jeito de continuar “nordestino”, fosse nos temas (Conterrâneos Velhos de Guerra, investigação do avesso do épico juscelinista), fosse na maneira de se aproximar deles (Mutirão, Quilombo, Vila Boa de Goyaz). A vida na capital, já abordada também em Barra 68, volta agora à pauta do cineasta em Rock Brasília(título de trabalho). Esse novo filme será a retomada de um material que ele gravou em vídeo na década de 1980 com as bandas Plebe Rude, Capital Inicial, Paralamas do Sucesso, Legião Urbana e Detrito Federal. Os primórdios do rock-DF serão revistos como aventuras de uma juventude instruída, sufocada e em busca de sentido para o resto de suas vidas. Com isso, Vladimir dará por concluída uma trilogia de longas sobre Brasília.
A trajetória do diretor está contada por ele mesmo no livro Vladimir Carvalho – Pedras na Lua e Pelejas no Planalto, de Carlos Alberto Mattos (Coleção Aplauso, 2008).
Nos Faróis de um puríssimo documentarista brasileiro, chama atenção a presença de dois clássicos de ficção do cinema europeu.
O Homem de Aran, de Robert Flaherty. “Onde vislumbrei pela primeira vez (só depois conheci Nanook) um cinema ligado de forma direta nas relações do homem com a natureza, dispensando os dispositivos clássicos como a “story”, atores profissionais e cenários artificiais. Foi uma completa e perturbadora revelação”.
Hiroshima, Mon Amour. “Alain Resnais falou à consciência moral da época mobilizando a sensibilidade estética para uma forma nova e transgressora, ao transitar no espaço-tempo do cinema e da memória. Antes de ver o filme, me encantava ouvindo Caetano Veloso, colega de turma na faculdade, “recitar” de cor os diálogos de Marguerite Duras. Inesquecível”.
Rocco e seus Irmãos, de Luchino Visconti. “Mestre absoluto, Visconti universalizou a tragédia do migrante. Este filme é a súmula maior de todo o neo-realismo italiano, quando este já se finara como o mais sensível testemunho do pós-guerra na Europa. Gênio entre os gênios”.
Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho. “O filme que melhor falou da realidade brasileira revelada no período que antecedeu o golpe militar e se estendeu até a redemocratização do país. Move-se junto com a História, que é sua matéria-prima, e formará para sempre uma tríade com Vidas Secas e Terra em Transe como os filmes emblemáticos do Brasil do século 20”.
Borinage, de Joris Ivens e Henri Storck. “Pequena obra-prima de um cineasta engajado (Ivens) nos temas da angústia social e da condição humana. Especialmente nos momentos em que o destino dos povos estava em jogo, como no caso das guerras, revoluções e calamidades. Ali sempre se encontrava Joris Ivens com sua câmara militante”.